Criar personagens complexos é um desafio. Muitos autores desejam fugir dos estereótipos e clichês, construindo figuras humanas, multifacetadas e cheias de nuances. Contudo, existe um risco: quando um personagem apresenta muitas contradições, pode acabar confundindo o público, que não sabe como interpretá-lo ou mesmo se conectar com ele.
Vamos explorar como lidar com personagens complexos sem perder a clareza da narrativa.
Complexidade e contradição são diferentes?
Antes de mais nada, é importante distinguir os dois termos.
A complexidade está ligada à profundidade e à riqueza do personagem. Um personagem complexo tem múltiplas camadas, emoções conflitantes e motivações diversas. Isso é algo positivo, pois torna o personagem mais humano e interessante.
Já a contradição acontece quando essas diferentes facetas não fazem sentido juntas ou são mal explicadas. Por exemplo, se um personagem age de forma violenta num momento e depois demonstra uma bondade extrema sem um desenvolvimento ou contexto que justifique essa mudança. A contradição pode prejudicar a verossimilhança e afastar o público.

Construindo um arco narrativo coerente
Para evitar confusões, todo personagem complexo precisa de um arco narrativo bem definido. O arco é a trajetória que o personagem percorre ao longo da história, suas mudanças, aprendizados e transformações. Mesmo personagens ambíguos ou moralmente duvidosos devem ter uma linha clara de evolução. Isso significa que as contradições internas devem ser justificadas pelo contexto e pelo desenvolvimento. Por exemplo, um personagem que alterna entre atos egoístas e altruístas pode ter um passado traumático que explique essas oscilações.
Além disso, é importante que o público consiga perceber essa evolução. Para isso, o escritor pode usar recursos como diálogos internos, flashbacks e interações com outros personagens para mostrar as razões por trás das escolhas e comportamentos.
Usando a perspectiva para guiar o público
Outra forma de lidar com a complexidade sem confundir o público é controlar a perspectiva da história contada. Quando o narrador ou os personagens secundários oferecem diferentes visões sobre a figura central, isso ajuda o público a compreender as várias facetas do protagonista.
Um personagem pode ser visto como herói por alguns e vilão por outros. Essa ambiguidade, quando apresentada de forma organizada, gera interesse e debate, sem perder a clareza.
No entanto, o risco de apresentar muitas versões conflitantes é criar ruído narrativo. Por isso, é fundamental que o escritor faça escolhas claras sobre o que mostrar e o que omitir, direcionando o olhar do público para aquilo que é essencial para a compreensão do personagem.

Evitando exageros e estereótipos
Um erro comum na criação de personagens complexos é o exagero. Ao tentar colocar muitas características divergentes em um mesmo personagem, o autor pode acabar tornando-o caricatural ou incoerente. A soma de todas as suas contradições deve parecer natural, como na vida real, e não forçada.
Além disso, é importante fugir de estereótipos disfarçados de complexidade. Muitas vezes, autores colocam personagens com “contradições” que, na verdade, são clichês ou atitudes superficiais que não agregam profundidade.
A dica é buscar inspiração na vida real: pessoas reais têm nuances, mas suas ações e emoções costumam ter raízes e motivações lógicas, mesmo que complexas. Investir em pesquisa, entrevistas e observação pode ajudar a criar personagens mais autênticos.
Dialogando com o público e aceitando ambiguidades
Finalmente, é importante lembrar que o público não precisa entender tudo sobre um personagem logo de cara. Um pouco de mistério e ambiguidade pode ser um recurso poderoso para manter o interesse e estimular a reflexão.
Porém, essa ambiguidade deve ser proposital e bem dosada. O escritor deve criar situações em que o público se sinta convidado a interpretar, a refletir sobre as motivações do personagem, sem se sentir perdido.
Além disso, o diálogo frequente com o público pode ajudar o autor a perceber como um personagem está sendo recebido e ajustar elementos em obras futuras.
Criar personagens complexos é um exercício de equilíbrio. A chave está em construir figuras humanas, ricas em nuances, mas com uma linha narrativa clara que guie o público. Com cuidado, pesquisa e criatividade, é possível explorar a complexidade sem cair nas armadilhas da contradição confusa. Assim, a história se torna mais envolvente, realista e memorável.



